terça-feira, 26 de outubro de 2010

Coeur de Pirate - Printemps

Viajante/ Ney Matogrosso-legendada

Nana Mouskouri "Only Love"

Falem-me de amor... e me compensem o avesso da sorte! (texto de 29 de junho de 2010)

Falem-me de amor... e me compensem o avesso da sorte!




Fui sorteada ao avesso, em pleno sábado, dois assaltos em menos de quatro horas de intervalo.




O primeiro, no caixa eletrônico, de manhã, dois homens bem apessoados levaram-me dinheiro e eu chamei a polícia. Escafederam-se, não me apontaram arma, até um deles me pediu desculpas, mas fiquei sem entender direito sua atitude, chamei-o de "abusado".


Depois, na delegacia, o sub-delegado me disse que eu correra risco de ser nocauteada, sei lá, coisa que o valha. Fiquei brava, com raiva, impotente e nem consegui chorar. No caminho de casa, a pé, usei o celular e eis que um pivete veio correndo, me tomou o dito cujo da mão e saiu correndo. Eu, ora, gritei, tudo que podia, soltei o verbo, impropérios, um homem tentou pegá-lo mas ele era como um maratonista ziguezagueando na contramão do trânsito, pouco mais de meio-dia, sumindo pela rua, como um bólido. Levou com ele minha agenda, para mim, tão preciosa. A companhia telefônica não a resgatou pois eu, inadivertidamente, a salvara no aparelho e não no chip, talvez não seja essa a explicação técnica correta, parece que eu teria que ter um contrato para resgate de agenda em caso de perda ou roubo, mas eu desconhecia isso.


Então, abalada, mas inteira, no final da tarde de suposto "azar", fui ao salão de cabeleireiro e me produzi para ir ao teatro municipal e assistir a partir das oito da noite, a ópera "O Guarani".


Durante algumas horas, voei na música, na história e na intensidade de sentimentos que se misturavam desde o palco até meu assento no balcão superior, de onde eu observava o quanto é compensador ouvir falar de amor.

Uma aura de encanto tomou conta do meu momento. Nem era mais importante lembrar a violência, eu estava ali, tinha a sorte verdadeira de assistir ao espetáculo. A orquestra perfeita, os arranjos maravilhosos, o coro me embalando a um céu de paz, de bons fluidos. Os larápios, pensei de repente, não tinham aquela felicidade a que eu podia ter acesso, quem seriam eles, onde estariam àquelas horas, enquanto desfrutavam do "meu" dinheirinho ou do meu ex-aparelho celular?

Mundo estranho, paradoxal. O pior roubo, pensei, seria se me privassem de ouvir canções e palavras de amor. Em situação semelhante, eu estaria mesmo "roubada", pois o amor é o ar que preciso respirar, quando ele me chega pelas notas musicais, pelas vozes cadenciadas, por olhares sensíveis, ouvidos atentos, enlevos sonoros, sons de fagotes, oboés, harpas, violinos, instrumentos de sopro, maviosos cantos de tenores, contraltos, baixos, enternecedores diálogos musicais que expressam a alma humana em sua pura existência, na plenitude de doar-se a quem ama sem roubar-lhe a sede de viver, oferecendo-lhe oxigênio em forma de carinho, dedicação, fidelidade e aconchego.


Passados poucos dias, vou me reorganizando, comprei novo aparelho, refaço a agenda, refaço contas para superar o dinheiro perdido, agradeço as oportunidades que a vida me dá para refletir suas paradoxais intempéries, sigo e supero.



Ouço então a voz doce da grega Nana Mouskouri, na calada da madrugada, sozinha, e consigo pela primeira vez, desde aquele sábado, verter uma lágrima, emociono-me. Eu não tinha conseguido chorar, em face das investidas dos ladrões, tinha sentido muita impotência, mas, durante o espetáculo clássico, somente me arrepiei sem extravazar a confusão de sentimentos represados que acumulei naquele dia.

Mais dois dias e nada. Só a sensação de fazer parte de um mundo moderno e louco, de uma sociedade imperfeita, de uma cadeia de omissões sociais, de uma humanidade capaz de auto-agredir-se, de violentar-se, de ludibriar-se, de mentir, de usurpar seu semelhante, mas, claro, não é a totalidade da espécie, é parcela dela, é um lado da transgressão, uma fatia do bolo social, talvez a banda podre do inconsequente descaso com que certa camada ou classe tenha sido tratada.


E o amor? Acho que o ladrão que me pediu desculpas, mesmo me roubando, tinha um ínfimo arremedo dele, ao me observar possessa, reclamante, ameaçando chamar a polícia,certamente, transtornada e doida, pois ele e seu comparsa podiam ter me derrubado fisicamente, mas não o fizeram. Fugiram, deixaram-me sem o dinheiro, mas com a cabeça intocada, o corpo tremendo, mas de pé, o olhar perplexo, mas aguçado em direção ao que veria mais tarde.


Um teatro lindo restaurado, um conjunto de atitudes que são fruto do amor à arte, à cultura, ao estudo da música, vidas inteiras de pessoas que ali sintonizavam a meiguice e a fortaleza que só uma ópera é capaz de despertar em seus altos e baixos, seus volteios e ápices, a viagem dos sonhos, o esquecimento das vicissitudes do mundo lá fora.


O amor, falem-me dele, por favor. Falem-me sempre. Repitam que o amor é a compensação do avesso da sorte. Deixei que desfilassem no meu pensamento, durante a ópera, imagens de carinho, afeto, familiares, amigos, amores que se foram, amores que sobrevivem, amores que virão. Agora, consigo verbalizar os acontecimentos, com a devida isenção me permitindo superar medos, minimizar ódios, buscar perdões interiores, agradecer chances e amar o amor, o mesmo amor que tanto inebria como atormenta, que acrescenta horizontes, que se bifurca em encruzilhadas escuras, mas que sabe encontrar caminhos de luz, nas horas certas, quando alguém se apaixona, perdidamente, ou renuncia ao amor, ou o persegue, ou dele foge, ou por ele morre, ou para ele vive, além da própria morte.


Se me vierem falar de algo concreto, como o episódio violento de um assalto na grande cidade, por favor, compensem-me repetidamente, contando histórias de amores inesquecíveis, amantes capazes de se entregarem aos prazeres, enamorados sonhadores, criaturas que esperam por toda a vida por um par que os compreendam, os acompanhem, lhes segurem as mãos, caminhem ao seu lado, por décadas, embevecendo suas almas, desafligindo, sobretudo, seus corações. Sem entretanto, roubarem tampouco sua esperança por momentos felizes ou sequer a crença na bondade humana que ainda é possível, se o amor também o for.


Cida Torneros

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ney Matogrosso - Entrevista Beijo Bandido

NEY MATOGROSSO /CD BEIJO BANDIDO /FAIXA A FAIXA

Ney Matogrosso - MEDO DE AMAR (VIRE ESSA FOLHA DO LIVRO)

Manuel da Costa Pinto, novo curador da Flip

Entrevista: Manuel da Costa Pinto, novo curador da Flip



"O peso da literatura brasileira na Flip será maior, até pela minha proximidade com os autores"


Rodrigo Levino


Manuel da Costa Pinto, curador da Flip






Manuel da Costa Pinto, o novo curador da Festa Literária Internacional de Paraty (Cristovao tezza)






"Há muitos autores estrangeiros que são do nosso interesse e vamos reforçar os convites. O que não torna proibitiva a vinda de autores que já estiveram em edições passadas"






O jornalista Manuel da Costa Pinto foi anunciado hoje (20) como o novo curador da Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece há oito anos na cidade litorânea do Rio de Janeiro. Costa Pinto assumirá o lugar de Flavio Moura, também jornalista, que esteve à frente da programação nos últimos três anos.






A Flip, que recebe um público estimado em 25.000 pessoas por edição, moldou o formato de eventos literários no Brasil sob vários aspectos. Promoveu debates e leituras com autores disputados como Paul Auster, Salman Rushdie, J.M. Coetzee e Amoz Oz; deu espaço a novos escritores brasileiros, como Daniel Galera e Carola Saavedra; ratificou os consagrados e deslocou o centro literário para fora do eixo Rio-São Paulo – as festas de Outro Preto (MG) e Porto de Galinhas (PE) foram criadas a partir do modelo da Flip.






Nos últimos anos, porém, a festa vem recebendo fortes críticas a respeito da lista de convidados (autores repetidos, poucos brasileiros) e do formato das mesas de discussão, onde não raro dão-se problemas de mediação ou falta de empatia entre os debatedores. Em 2010, houve queixas sobre a presença excessiva de acadêmicos em detrimento de escritores.






Ainda assim, a Flip é o evento literário mais importante do país e goza de boa reputação no exterior. Manuel da Costa Pinto, é inegável, assume a curadoria sob a égide da reclamação. Jornalista, colunista do jornal Folha de S. Paulo, diretor do programa Entrelinhas, da TV Cultura e mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP, ele falou ao site de VEJA sobre o novo desafio.






Como se deu o convite para ser curador da Flip?


Eu sempre tive boas relações com a Flip. Em 2008, quando Machado de Assis foi o autor homenageado da festa, ajudei a montar o acervo em exposição, uma parceria com o Instituto Moreira Salles. O meu nome surgiu de um consenso entre Mauro Munhoz [diretor da Fundação Casa Azul, que promove a Flip] e Flavio Moura [ex-curador].






A última edição da Flip recebeu críticas contundentes no que diz respeito à escalação dos autores brasileiros. Dos sete ficcionistas convidados, seis já haviam participado de edições passadas. Diz-se que há um descompasso entre a produção literária contemporânea e os nomes convidados. A próxima Flip terá mais autores brasileiros?


O peso da literatura brasileira na Flip será maior, até pela minha proximidade com autores, consagrados ou iniciantes. Mantenho uma coluna sobre literatura na Folha de S. Paulo, dirijo o Entrelinhas [TV Cultura] que é voltado para a literatura, escrevi dois livros sobre literatura brasileira. Isso me deixa bem a par do que está sendo produzido. Acho que a Flip deve buscar um maior equilíbrio entre a quantidade de escritores estrangeiros e a de escritores brasileiros. Trabalharemos nesse sentido, embora equacionar esse problema não seja algo fácil nem aconteça do dia para a noite.






Outra crítica que se faz à Flip é sobre o formato das mesas de debate. Algumas por terem autores demais, outras de menos; problemas de mediação. O formato não estaria saturado?


A priori não há plano para mudar o formato das mesas. Embora seja até temeroso dizer isso, já que tudo ainda é muito prematuro. Daqui a duas semanas alguma ideia pode surgir nesse sentido. Mas eu diria que é cedo para tratar desse assunto.






A Flip 2010 foi marcada pelo cortejo à academia. Dos 34 autores convidados, só 16 tinham atividade literária. A edição de 2011 será focada em algum tipo de tematização?


Eu não acho que isso seja tematização. Posso dizer que pretendo trabalhar melhor a integração entre a Flip e a Flipinha. Temos grandes autores infantis e infanto-juvenis que precisam ser levados para a Tenda dos Autores por vários motivos: a qualidade do que escrevem, o enorme público que agregam e sobretudo para não caracterizar a Flip como um evento segmentado.






Depois de oito edições, a lista de autores estrangeiros consagrados e disponíveis parece estar se esgotando, não?


Há muitos nomes que são do nosso interesse e vamos reforçar os convites. O que não torna proibitiva a vinda de autores que já estiveram em edições passadas.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Calcinha Preta - Você não vale nada mas eu gosto de você

Domenico Modugno - La Distancia es como el viento

RAZON DE VIVIR VICTOR HEREDIA HIGH QUALITY

Víctor Heredia - Razón de vivir

Razão para viver, razão de viver, razão , motivação, emoção...viver é razão e emoção, viver é emocionar-se sem razão, ou com razão, viver é nem ter razão aparente, e ter emoção subjacente, é como inspirar sem ver o ar, mas sentir que o pulmão se infla com algo inconsistente, diáfano, impalpável, mas presente...Um presente , dizem, a Vida, com ou sem razão, ela vem e vai, ela briga na sua natureza procriadora, e os seres nascem, são concebidos, a vida vence na maioria das vezes, numa luta permanente, contra o descaso de quem não a valoriza, ela segue, tem suas verdadeiras razões, perpetuando espécies, construindo porquês compreensíveis algum dia, ainda que nem sejam racionais agora, um dia, provavelmente, explicações científicas provarão seus caminhos em prol da sobrevivência, a despeito das guerras e dos senões, a  Vida vai, e tem, por certo, razões que a própria razão desconhece...
Cida Torneros 

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ivete e Geraldo Azevedo De volta pro aconchego

A vida, alem da cozinha?

A vida, além da cozinha?

Bem, meu bem, tem lá fora, um sonho de amor aqui, entre cebolas que me fazem chorar, tenho nas mãos, os vegetais, a natureza em flor, vou cortando, descascando, macerando, os elementos exalam cheiros, as águas fervem, mergulham-se temperos, a alma a fritar...
Bem, meu bem, tem lá fora, a paisagem da lagoa enquanto dentro de mim, alguns sentidos se erguem vindo das minhas bisavós e ancestrais, chegando, em mim, suas dores e cantos, a beira do fogão, o fogo colorido, a chama forte, abaixa o fogo, diz a chefe da cozinha, pra não estragar a comida, fogo demais não pode...põe mais água, pega o cuentro, os tomates, a farinha, busca o azeite de dendê, mistura o tempo nas panelas, mistura decidida, que nada é mais importante que a comida a manter as almas e os corpos em movimento...
Além da cozinha, tem o mundo, lá fora...tem a vida... aqui dentro, pega o vinho, bebe um gole, me dê, me dê um abraço, por trás, cheirando o vento que espalha o amor, que impregna a feitiçaria, que daqui a pouco irá para o prato, para a boca, para o estômago, para o cérebro, para o espírito, mesclando a lida, o trabalho, a lagoa, a alegria, juntando todos em torno da mesa, ritual primitivo em torno do fogo da gula, que é a cozinha da vida.


Cida Torneros

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Entrevista com o Nobel Vargas Llosa

especial para O GLOBO - 13.10.2010



Entrevista  com o Nobel Vargas Llosa


O peruano Mario Vargas Llosa, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, é um dos mais importantes escritores latino-americanos. Llosa, que está no Brasil para participar nesta quinta-feira, em Porto Alegre, do projeto Fronteiras do Pensamento, é autor, entre outros, de “Tia Júlia e o escrevinhador”, “Pantaleão e as visitadoras” e “A guerra do fim do mundo”, narrativa que aborda a vida do beato Antônio Conselheiro, líder dos jagunços e beatas exterminados na Guerra de Canudos. Nesta entrevista ainda inédita, concedida ao escritor Pedro Maciel durante a passagem anterior de Llosa pelo Brasil, em 2007, ele fala sobre a sua desilusão política e declara que opina como um escritor e como um intelectual, “não como um político, o que não sou nem voltarei a ser”. Vargas Llosa reafirma sua crença no liberalismo político ao analisar os rumos da economia mundial. Fala também sobre os autores que o influenciaram, como Flaubert, Tolstói e Dostoiévski, e destaca Jorge Luis Borges e Guimarães Rosa como grandes autores do nosso tempo.




O livro “Peixe na água” é uma narrativa que aborda a sua aventura política. É também a história de que como o senhor se tornou um escritor?

No início minha ideia era escrever exclusivamente sobre minha aventura política, mas depois pensei que isto daria uma versão muito inexata do que sou, porque apareceria só como político — algo que na realidade não sou e sequer me senti como tal nos anos em que estive envolvido na política. Fiz política, certamente, mas sempre me senti um escritor, um intelectual, que temporariamente fazia política, mas que iria retornar ao seu trabalho intelectual. E por isso, no livro, finalmente decidi incluir de maneira alternada os capítulos pessoais sobre minha infância, minha adolescência; que foram esses anos nos quais descobri minha vocação literária, nos quais assumi na prática essa vocação e comecei a ser um escritor. Achei que alternando estas duas experiências, o livro daria, então, uma versão mais exata do que sou.


O escritor, o artista não precisa necessariamente entrar para a política para agir politicamente em prol da sociedade.


É claro que não. Há muitos escritores que nunca participaram da política ativa, mas tiveram uma influência importante na vida política pelas suas ideias, pelas tomadas de posição, por seus escritos. Eu não acho que o escritor deva necessariamente dar esse salto para a política ativa, profissional. Acredito que o máximo que se pode pedir ao escritor é que participe no debate público, sobretudo em países como os nossos, onde há ainda problemas tão graves, tão urgentes para resolver; onde estamos ainda discutindo o modelo de sociedade que iremos ter. O escritor é um privilegiado em nossos países. É um homem que sabe ler, sabe escrever, tem plateia, pode chegar até um público. Bem, isto significa um certo poder e acho que o escritor deveria empregá-lo pelo menos no debate, na discussão dos problemas, das possíveis soluções. Mas acho que a participação ou a não participação é algo que tem a ver com cada indivíduo em particular, que não se pode estabelecer uma norma geral.

Hoje os tempos são libertários e não mais revolucionários. Curiosamente a ideologia passou a ser uma representação descartável, segundo a cartilha neoliberalista.


Bem, eu não utilizaria a partícula “neo” porque essa partícula geralmente tem uma intenção, às vezes involuntariamente, depreciativa. Eu sou liberal, acredito na liberdade como algo indivisível: a liberdade política e a liberdade econômica como instrumento do progresso numa sociedade. Bem, por isso defendo a democracia política, defendo as políticas de mercado, as quais acho que devem sempre ir juntas porque é a única maneira de garantir um progresso não só econômico mas também cultural, ético, institucional.


Como o senhor define o liberalismo?


O liberalismo é um espectro muito amplo, em que há muitos matizes. Os liberais concordam basicamente na defesa da liberdade como uma coisa indivisível, mas já na aplicação concreta de medidas liberais há pontos de vista muito diferentes, muito contraditórios. E é porque o liberalismo não é uma ideologia como é o marxismo, por exemplo. Liberalismo é uma doutrina muito flexível, muito ampla, que se alimenta basicamente do conhecimento de uma técnica, de uma informação e, com certeza, de certos princípios. Mas certos princípios muito gerais que têm a ver com a defesa da liberdade.


A democracia política é a única opção de progresso e liberdade de um povo.


Acho que não existe muita margem de escolha. Se um país quer progredir de uma forma civilizada tem que ter democracia política e quanto mais democracia política tiver, ou seja, enquanto haja mais participação, enquanto seja mais respeitada a legalidade, enquanto haja mais independência de poderes, enquanto os direitos humanos sejam respeitados. Em decorrência, vai avançar mais no campo político e cultural; e no campo econômico.


O senhor é conhecido como um intelectual liberal que defende a abertura das fronteiras e principalmente as leis de mercado.

Se uma sociedade quer se modernizar, então tem que abrir suas fronteiras, tem que se integrar aos mercados mundiais, tem que privatizar este setor público que em nossos países é como um empecilho, não permitindo a criatividade econômica. Tem que permitir que as empresas concorram entre si, não há outra política. Dentro desta sociedade, obviamente pode-se fazer variantes, como por exemplo em relação à redistribuição da política de assistência social. Isto cada país tem que decidir de acordo com o que são as suas possibilidades. Sobre isso não se pode generalizar. Mas o que está claro é que não há alternativa. Qualquer outra política, as antigas, estados grandes, empresas nacionalizadas, nacionalismo econômico, isto sempre conduz à catástrofe. Não há um só país que não tenha fracassado quando tenta estas políticas.


O senhor defende abertamente a privatização dos serviços públicos.

Eu sou totalmente favorável à privatização, sim. Mas, digamos, que não pela própria privatização em si, acho que a privatização é um instrumento para conseguir algumas coisas. Acho, por exemplo, que se um governo privatiza uma empresa que é um monopólio do Estado e a entrega como um monopólio para uma empresa privada, não ganharemos nada. Esta empresa vai continuar sendo muito ineficiente, muito corrupta porque este é um produto do monopólio, não de ser pública ou privada. Então, privatizar, sim, mas privatizar abrindo mercados, acabando com os monopólios. E, ao mesmo tempo, em países como os nossos, onde a propriedade privada é tão limitada, acho que a privatização deveria servir para difundir a propriedade privada entre os que não tem propriedade privada: os operários, os funcionários, os consumidores. Como está sendo feito em alguns países com muito sucesso.

A que se deve a miséria da América Latina?


Há trinta ou trinta e cinco anos, a revolução, o marxismo, o coletivismo pareciam a resposta para a injustiça, para o atraso. Depois fomos descobrindo que o socialismo, o coletivismo, o estadismo não traziam riqueza aos povos, mas sim lhes traziam Estados policiais, ditaduras horríveis e, então, digamos, os intelectuais lúcidos evoluíram para formas ou de socialismo democrático, ou de social-democracia, ou de liberalismo. Alguns até para posições conservadoras.
A América Latina tem pouca tradição de sistemas democráticos.
A democracia política é fundamental para o desenvolvimento porque, sem democracia política, sem autênticas liberdades públicas, governos representativos, tribunais independentes, não existe verdadeiramente progresso, mesmo que haja progresso econômico. O progresso econômico é resultante sempre da abertura de mercados, que não é através de um estado grande, de um estado interventor, de um estado dirigente da vida econômica que se cria riqueza, trabalho, desenvolvimento. Acho que na América Latina a experiência nos mostrou que esses estados grandes são estados muito fracos, muito ineficazes e muito corruptos e que tem que se transferir à sociedade civil a responsabilidade da criação de riqueza.


O senhor pretende se candidatar novamente a um cargo político?

Não, em absoluto. Não penso, nunca pensei em voltar à política profissional. Escrevo, falo de assuntos políticos porque, para mim, isto forma parte do meu trabalho intelectual; acredito que esta é uma das obrigações que tem um intelectual, mas opino como um escritor e como um intelectual, não como um político, o que não sou nem voltarei a ser.
Falemos do livro “A guerra do fim do mundo”. Pode-se dizer que este livro foge um pouco do romance histórico. Euclides da Cunha não é retratado, mas surge no romance um jornalista míope que representa a “cegueira ideológica” intelectual latino-americano.
De certa forma sim. A personagem do jornalista míope não é um retrato objetivo de Euclides da Cunha. Está inspirado de uma maneira tênue em Euclides, que é um escritor que admiro muito. Por isso, dedico-lhe este livro. E escrevi esta novela porque li “Os Sertões”, que, para mim, é uma das grandes experiências que tive como leitor. Interessou-me tanto a Guerra dos Canudos quanto o caso de Euclides da Cunha. Euclides é um dos intelectuais brasileiros responsáveis pela desinformação que se criou no Brasil em relação ao que estava acontecendo em Canudos, pelos preconceitos ideológicos. Quando estoura a Guerra dos Canudos, Euclides da Cunha escrevia artigos em São Paulo dando uma interpretação ideológica, apresentando os jagunços como sendo da monarquia, como instrumentos dos senhores feudais. Isso tudo é uma ficção ideológica, nada disso é verdadeiro. Mas o preconceito ideológico é tão forte que, inclusive quando Euclides vai para Canudos, o que vê não é o que está acontecendo, mas sim as imagens ideológicas que ele traz. As crônicas que ele escreve em Canudos falam, inclusive, de jagunços louros, de olhos claros, que poderiam ser oficiais ingleses.

Em “Os Sertões”, Euclides da Cunha faz um exame de consciência.


Sim. Euclides da Cunha é talvez o primeiro intelectual brasileiro a refletir sobre o massacre que houve em Canudos. Ele compreendeu que se tratou de um enorme mal-entendido, do qual resultaram trinta, quarenta mil, cinquenta mil mortos. Nunca saberemos quantos. Então ele faz algo que para mim é incrível, é um esforço de compreensão, um ato fundamentalmente intelectual, que muitos intelectuais não fazem nunca. Um esforço de compreensão do que realmente aconteceu e das razões para que todo um país ficasse cego de tal forma que acabasse acontecendo esta guerra. E então escreve este livro extraordinário. Bem, então, no jornalista míope, de uma forma muito geral, é o que eu quis mostrar, esta evolução. O jornalista míope não entende nada, não vê nada no princípio. Mas, aos poucos, entre todos os que vivem a tragédia, ele aprende uma lição, ele tira um ensinamento.


A sua versão da Guerra de Canudos apresenta os rebeldes e os republicanos como fanáticos.
Os dois grupos eram fanáticos. Eram fanáticos os jagunços, os rebeldes, e eram fanáticos os republicanos. Por isso confundiram estes camponeses coitados com instrumentos de toda uma conspiração antirrepublicana, uma coisa que não eram os rebeldes. O (Antônio) Conselheiro e Moreira César eram como o verso e o reverso da atitude intolerante, da atitude ideológica, a qual acredita que é dona de uma verdade absoluta e de que pode impô-la pela força.
No romance “A guerra do fim do mundo” e, em outros, o senhor dialoga com o estilo narrativo de escritores como Faulkner, Joyce, Virginia Woolf e principalmente Flaubert que inaugurou um novo modo de narração.
Todos os autores que me impressionaram muito, que admiro, certamente deixaram uma marca, deixaram uma influência. Acho que isto é inevitável. Agora, nem sempre os autores que mais admiramos são os que influenciam mais; às vezes as influências mais importantes são inconscientes, não somos lúcidos quanto à marca que deixou certa leitura, mas certamente os escritores que você falou, Faulkner, por exemplo, um autor que admiro muito, Flaubert, é claro, já escrevi um livro sobre ele. Eu sou um grande leitor de novelas do século XIX, de Balzac, de Melville. Acho que Tolstói, Dostóievski me influenciaram muito. O século XIX é como a época ápice do gênero narrativo e de alguma forma gostaria, nas novelas que escrevo, de continuar esta tradição: da novela ambiciosa, da novela de fôlego.


Jorge Luis Borges é o principal escritor latino-americano de todos os tempos?

Borges é um dos grandes escritores modernos, um dos grandes escritores da nossa língua. Poucos escritores enriqueceram a língua espanhola como Borges, ele a purificou. Uma língua que é muito exuberante, geralmente a língua literária, ele enxugou-a, tornou-a austera, tornou-a inteligente, encheu-a de ideias mais que de sensações. Um escritor extraordinário mas, bem, que haja um escritor extraordinário não significa que não possa haver outros.
Falemos da extraordinária sintaxe de Guimarães Rosa.
Guimarães Rosa é um grande escritor, um escritor extraordinário, um dos grandes escritores de nosso tempo, com uma obra muito complexa, que tem muito da cor local, que tem também uma dimensão um pouco esotérica, com referências a uma espiritualidade muito complexa. Um grande criador da linguagem.
Rosa é um dos grandes escritores contemporâneos e representa um momento literário único na América Latina.
Sim, sem nenhuma dúvida, é um dos grandes escritores contemporâneos que, além disso, representa para nós um momento que é muito privilegiado para a cultura latino-americana porque, simultaneamente, surgiram escritores tão importantes aqui e ali, em toda América Latina. Isto permitiu que a América Latina obtivesse do ponto de vista cultural um reconhecimento que não tivera nunca antes.


PEDRO MACIEL é autor dos romances “Retornar com os pássaros” (LeYa), “Como deixei de ser Deus” (Topbooks) e “A hora os náufragos” (Bertrand Brasil)

domingo, 10 de outubro de 2010

Reginella depois da meia-noite

 
Ja passa da meia-noite, o sono nao chegou, busquei a televisao e a apresentadora citou a cancao Reginella que tanto a emociona, interpretada por Massimo Raniere, no original em dialeto napolitano.

Vou ao computador para reencontrar os versos de um amor de anteontem, quando duas pessoas se amaram, com

intensidade, e agora, distraidamente, uma delas pensa na outra. Imagens de amores arrefecidos ser'ao sempre um convite ao emotivo sentido da saudade com seu sabor de lembrar o que ja passou mas ainda se encontra presente na memoria dos sentidos.

Reviver os momentos de paixao traz a superposicao de alegria triste ou de tristeza alegre, coisa meio inexplicavel, coisa de ser humano que fica ancorado em algum instante da propria vida, se poe ali, como amarrado ao porto com seu barco que estaciona e nao volta a navegar.



Recordo que algum dia vislumbrei o horizonte onde alguem me apontou a luz do amanhecer, tao prodigo de promessas. Era a hora de fazer planos, imaginar o futuro, criar fantasias e gerar expectativas. Como na cancao, a alma voa para os lugares onde se viveu amores com chapeus, fitas, flores, sorrisos, beijos, onde o amor pareceu eterno, invadiu com sua chama os coracoes que se entregaram em combustao. Passaros de fogo, amantes incendiados, ardentes consumindo-se nos limites do amor para um dia vivenciar suas lembrancas.
Reginella pode ser a ave livre que sobrevoa o universo com suas asas leves, pode ser a incerteza das juras de amor, aquelas juras cujas razoes se dissipam para dar lugar a pensamentos distraidos, discretos, amansados, que o tempo se encarrega de minimizar, ou de apagar as linhas mais fortes, permitindo apenas que se ouse chamuscar de pequenas faiscas aqueles sentimentos que nos enganavam, iludiam, diziam ser amor, mas se perderam ou se encantaram, para sempre.


Cida Torneros




Massimo Ranieri - Reginella

Maysa "Chuvas de Verão"

Maysa cantando o tema de abertura da novela Bravo [1975]

Maysa canta Light my fire - Ao Vivo no Canecão

Maysa "Meu Mundo Caiu"

ZECA PAGODINHO ( INÉDITO ) GRAVA PÔXA DE GILSON DE SOUZA -RIO 13-07-2010

Uruguay,agosto, 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Julio Iglesias-Manuela

minhas origens: galega, cigana e celta



Em Espanha, bendita terra, pude reencontrar raízes estruturais, mais até do que genéticas. Ao caminhar pelas ruas de Vigo, Orense, Santiago de Compostela, Madri e Barcelona, durante minha estada em maio de 2009, em poucos dias, convivi com minha sensação de estar em casa, comer o que gosto, beber o que aprecio, ouvir o som da língua que me identifico, respirar os ares que me enchem os pulmões de alegria e dormir as noites tranquilas para os melhores amanhaceres. Além disso, meus olhos se deslumbraram sempre com as cores, principalmente o verde da Galícia e o azul do céu de Barcelona, a grandeza da Sagrada Familia, de Gaudí, a história que me fascina em Toledo, com a arte dos museus de Madri, sua Porta de Alcalá, com a beleza medieval das pontes de Orense, com o mistério das paredes da Catedral em Santiago e com os rostos das pessoas apressadas na capital espanhola. Meus sentidos aguçaram-se com o som das canções que me embalaram durante meus poucos dias por lá, e , principalmente, minha cidadania ( que vou pleitear brevemente) me proporcionou a certeza de que sou parte daquele povo, e quero lutar ao seu lado , por dias melhores para todos nós.
Durante alguns anos, entre 1983 e 1994, editei o Jornal de España, uma publicação mensal dirigida à colônia espanhola residente no Brasil. Esta música, eu a dancei em muitas festas dos clubes espanhóis espalhados em tantas cidades como Rio, Sao Paulo, Niterói, Teresópolis, Juiz de Fora, entre outras.
A alegria do povo imigrante espanhol sempre me contagiou e inspirou meu trabalho, do qual tenho gratas recordações, de um período em que incorporei e consolidei mais ainda o amor por aquele país que tive, finalmente , a oportunidade de pisar e conhecer.
Que viva España!


Aparecida Torneros
Manuela era a mãe de Carmen (minha avó, mãe do meu pai) e do seu irmão Obidio Torneros,que pôs seu nome na filha Dolores Manuela, que nasceu em Nova York e hoje vive no Oregon. Em homenagem à minha bisavó, aí está a música belíssima de Julio Iglesias, para uma Manuela que esperou a volta dos filhos que emigraram para o Brasil e os Estados Unidos e jamais puderam retornar para vê-la antes da morte. Entretanto, quando estive no cemitério onde estão os restos mortais dela e do meu bisavô Antonio Do Val Torneros, fiz me representar todos descendentes de Carmen e Obidio que ali não foram pessoalmente, mas em cujo sangue corre a alma galega, a luta hispânica, a saga de uma gente valente.


Cida Torneros

maria dolores pradera con jose miguel miro "toda una vida"

JUAN PARDO Y PALOMA SAN BASILIO - BRAVO POR LA MUSICA

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Caminhos Cruzados - Leila Pinheiro - Light/RJ

Palmas para as mulhere brasileiras, mais uma vez!

Dilma Roussef, Marina Silva, Marisa Leticia e Monica Serra, mulheres e numeros

Nos as acompanhamos nesses ultimos meses, atraves das aparicoes em televisao, jornais , revistas, mencoes em noticiarios, radios, vozes e discursos, acenos e sorrisos, ou mesmo ausencia de vozes ou discursos, como foi o caso de Marisa Leticia e Monica Serra. O que dizem essas duas senhoras, primeiras damas? Se nao dizem explicitamente, representam subliminarmente os milhoes de mulheres esposas, aquelas tradicionais referendadas como as companheiras dos homens que se pretendem fortes, vitoriosos, realizados, apoiados em seus lares e familias. Quanto a Dilma e Marina, suas palavras calaram fundo nos coracoes de brasileiras e brasileiros, somando mais de 65 milhoes de votos, afinal.
Os maridos de Marisa Leticia e Monica Serra, o presidente Lula da Silva e o candidato Jose Serra, continuam detentores de expressivo poder de voto, embora o lugar de cabo eleitoral atribuido ao presidente Lula assuma lugar de destaque na historia recente das eleicoes no Brasil, e o aspirante Jose Serra, agora novamente candidato no segundo turno de 31 de outubro, permaneca carreando votos oriundos dos pares tucanos e dos simpatizantes para as propostas do seu partido e dos seus coligados.
Mulheres que falam e mulheres que calam. Mulheres que nao se furtam a se expor aos olhos dos 136 milhoes de potenciais eleitores, apesar dos mais de 20 milhoes de abstencoes, e mulheres que falam em casa, em familia, entre amigos, aquelas que exercem papel tambem representativo na vida do dia a dia da populacao brasileira onde a maioria das mulheres ainda coordena ou comanda sua casa, lugar onde marido e filhos necessitam da protecao e do sorriso de aprovacao aos seus anseios e atos, assim como precisam da sua postura conselheira ou do seu arsenal de observacoes atentas, imagens que, em fotos ou filmes, alcancam o inconsciente coletivo, aquele mesmo onde as figuras maternais sao de uma forca historica perfeita.
Dilma fala e discursa, defende sua vitoria de 46 milhoes de votos e sua segunda chance de disputar a eleicao presidencial que pode levar uma mulher pela primeira vez ao exercicio do mais alto cargo executivo no pais. Marina fala e emerge como uma lideranca feminina legitima desde o seringal sintonizada com as propostas mais avancadas no que tange ao mundo ambientalista consciente.
Suas idades, geracoes aproximadas, historias diferenciadas, experiencias de vida que as elevam a patamares de criaturas escolhidas pelo destino. Vejamos, Dilma uma jovem que se engajou na luta pela restauracao da democracia do Brasil, Marina, uma quase menina que se conscientizou da necessidade de sair da mata amazonica e ganhar a vida urbana para denunciar sua lutas, Marisa, uma jovem viuva que conheceu um tambem jovem viuvo sindicalista do ABC e com ele passou a construir uma historia de amor e politica, Monica, uma jovem chilena que nao exitou em adotar a nacionalidade brasileira quando conheceu o futuro marido quando este vivia o exilio para um regime ditatorial.
Se fosse possivel coloca-las num debate informal, certamente, Dilma, Marina, Marisa e Monica, teriam muito a contribuir para a maturidade democratica nacional, entre falas e silencios, diriam tudo ou quase tudo que nos toca a consciencia neste momento em que o Brasil caminha para dar exemplo ao mundo da importancia que as mulheres assumiram em nossa historia recente. Os numeros comprovam que as mulheres ascendem, crescentemente, a postos de poder e comando, emergindo sua experiencia de donas de casa, universitarias, professoras, jornalistas, militantes, candidatas, vereadoras, deputadas, governadoras, escritoras, costureiras, cozinheiras, m'aes, avos, esposas, namoradas, companheiras, pro ativas, incentivadoras, chefes de familia, injusticadas ou vencedoras, mas, mais que tudo, grandes exemplos de capacitadas no exercicio da superacao e da esperanca.
Palmas para as mulheres brasileiras, mais uma vez!

Cida Torneros

Amores rasos e transbordantes; amores profundos que não se desperdiçam...

Amores rasos e transbordantes; amores profundos que não se desperdiçam...
Marie intrigou-se novamente. Aquela imagem que trouxera para o consultório do analista se não era de todo estranha, podia então ser definida como intrigante. Aos seus pensamentos veio a imagem de um amor que não se contém em sua morada, verte-se pelas laterais, vaza pelos cantos, transborda apesar da necessidade de se conservar ali, não consegue permanecer e se perde quando transborda... Ela lembrou dos tanques que se rompem, racham, não suportam o peso e o volume de suas águas... Assim pôde definir seus muitos amores, os que não foi possível cultivar em lugares rasos, pois, ao tentarem expandir-se, viram-se transbordando em muitas direções, incapazes de sustentar-se nos seus domínios iniciais.
Aí, a inquieta Marie ousou sonhar com um amor profundo. Um tipo de amor que fosse se enraizando ou mesmo cavando mais espaço interior, para acomodar-se confortavelmente sem o risco de desintegrar-se em pouco tempo.
O analista embarcou na conceituação inusitada. Talvez ela estivesse com alguma razão. Amores que se aprofundam, não se desperdiçam, aproveitam-se na própria descoberta, aliam-se a descobertas que varam os umbrais do tempo e das esperanças, evoluem para intensos conhecimentos mútuos, superam etapas, atravessam tormentas, alcançam redenção.
Mas o que deixava Marie mais espantada era a sucessão de amores rasos e transbordantes que costumava viver. Não que não fossem bons e marcantes sentimentos, isso eram, sem dúvida, mas aquela repetição de contextos onde havia tantas perguntas que acabavam sempre ficando sem respostas. Ou então, havia tantas respostas que nunca satisfariam as indagações que ela acabava por colocar nalguma prateleira do esquecimento, já que não era possível solucionar tais impasses.
Os amores profundos podiam até durar menos tempo, não era questão de cronologia, o fio condutor do raciocínio se colocava além disso, acima de contagem de anos e meses, o importante era a qualidade do que se sentia, a certeza de incorporar aprendizado e ser inerente guardar experiências positivas. Nos tais amores rasos, tornava-se comum o saldo de enganos sobre o de certezas, e ainda, a sensação de desconfiança com sabor de mentiras contrapondo-se aos momentos de decepção ou de desilusão.
Amor profundo gera confiança mútua. Amor raso baseia-se em suposição de comportamento. Amor transbordante escapa ao encontro verdadeiro. Amor que se desperdiça deixa um rastro de incopentência para quem tentou amar de verdade..
Essa teoria martelou Marie por mais alguns dias, até que ela se imbuiu de auto-compaixão e resolveu viver seus amores rasos ou profundos à medida que surgissem, em fases sazonais, talvez porque fizessem parte de um contexto menos rígido, e houvesse necessidade de aceitar até os amores que vazam pelos recantos dos corações sem destino certo, como barcos à deriva, meninos de rua, pipas avoadas, perdidos sentimentos.
Quem sabe, ela voltou ao analista e perguntou, a cada amor raso vivido e desperdiçado, não se terá ainda o direito de encontrar um amor profundo que preencha a alma amante com sua força definitiva.
Nem ele e nem Marie, tinham a resposta, porque todos os amores abrigam em si mesmos o enigma da conspiração, a incerteza do futuro e o mistério eterno dos corações que procuram seus pares.
Cida Torneros

sábado, 2 de outubro de 2010

Maysa - Ouça (4/10)



Domingo, 2 de Agosto de 2009



Paris em agosto... música e imaginação...





O verão se instala em Paris, a estação calorosa está no auge, casais caminham lado a lado, os sonhos sobrevivem, gerações de amantes se superam, crianças devoram sorvetes, gente idosa sorri observando a vida que passa. A cidade do romance anda frenética, coalhada de turistas extasiados com seus segredos e tradições. Música, pintura, arte, cultura em profusão, história re-contada, um mundo de cores através dos olhares renovados.


Paris encanta-se de predicados, pessoas passeiam por seus caminhos de grande atração, Paris enternece e estonteia...Faz calor, mas o coração se gela quando alguém lembra do passado recente, deixando que a saudade do que já viveu em Paris, lhe invada a alma em sessão de nostalgia.




Ele voltará a Paris, por muitas vezes, sabe disso. Questões profissionais o obrigam a visitar constantemente a capital francesa, além disso, seu laços com aquele lugar já fizeram parte do seu crescimento pessoal, derivando para a busca da sua maturidade.


Como esquecer a Paris que ele conheceu quase menino, em 1968? Um furor de jovens em ebulição, o mundo pegando fogo nas Barricadas que cercaram a Sorboni, ele assistindo a um espetáculo de cidadania, protesto e engajamento social, de uma geração que mudava o mundo, com gritos de ordem, rostos sem rugas, agilidade e correria, um quadro inesquecível, na sua memória, a guerra nas esquinas do tempo, ele aprendendo a entender aquele povo, com seu coração aos pulos, há décadas atrás.



Pois ali conheceu lados da vida que o fizeram sobreviver com garra, foi à luta, esteve clandestino, mas saiu disso com o casamento legal, tornou-se cidadão francês, construiu família, dissolveu-se naquela cultura, a exemplo de milhares de imigrantes, seu clamor interno era o de viver dias de felicidade e de descobertas, o que realmente aconteceu.


Acabou trabalhando no interior da França, onde criou filhos, acostumou-se à vida no campo, adaptou-se ao estilo de suas comidas, bebidas, músicas, programações de televisão, shows, teatro, cinema, os novos amigos, hábitos antes estranhos, desafios de vida a serem superados, e ainda, incrivelmente, o gosto pelo desconhecido com tantos segredos a serem desvendados.


Muitos anos o separam daquele jovem idealista sem experiência, agora ele se vê no limiar de um período em que enfrentará, depois da solidão do divórcio, do crescimento e debandada dos filhos que se foram para morar sozinhos ou casados, agora, lhe apareciam os desejos de voltar a Paris para repensar e recomeçar a vida.



Aquela cidade, mais do que qualquer outra no mundo, lhe proporcionava sentir outra vez o mesmo sentimento de que fora tomado ao chegar tão jovem, para enfrentar a vida.


Retornava a Paris, com a sapiência dos homens mais vividos, os cabelos embranqueceram, as pernas embora ágeis, já não precisavam correr atrás de empregos e estudos, o tempo o premiava com liberdade para sentar nos cafés, apreciar os passantes, relembrar excessivamente seus amores, suas investidas em idéias, profissões, trabalhos desenvolvidos, diálogos que teve com alguém versando sobre o futuro, o tal medo do amanhã.




Ele voltava agora, em agosto. Um lindo sol o recebia. O amor já não estava lá, mas, ele o pressentia, a cada movimento dos olhos. O cheiro do amor vivido ali o confundia com o próprio tempo. Preferiu imaginar que tudo estava certo até sentir uma terrível saudade do que passou. No Café de Flore, sentado em mesa de canto, o homem não chorou para que alguém percebesse, mas seu coração espremeu-se no peito enquanto acendia um cigarro, pedia um vinho tinto, brindava sozinho ao verão em Paris, e, ainda, com olhos molhados, ele sentia a presença dela, podia ouvir sua voz nos ecos do tempo, mas já não conseguia degustar o mesmo beijo que trocaram naquele lugar, quando a vida parecia um festival de primavera, o verão se anunciava, o outono não era bem vindo, e o inverno não devia chegar jamais.


Cida Torneros


RJ, 2 de agosto de 2009