terça-feira, 24 de agosto de 2010

O guerrilheiro "Z." e a escritora "amiga" é um dos contos do livro "Contra-ataque do amor"

Veja um trecho:

"A correspondência entre o guerrilheiro e a escritora iniciou-se no auge da crise, em 2005, e se mantém, numa troca constante de considerações, revelações e aconselhamentos mútuos.


O livro, ela vai construindo, devagar. A vida, um emaranhado, encarrega-se de subsidiar ilações e postergações para o texto em permanente mutação, constantemente acrescido ou modificado. Há momentos em que ambos refreiam suas falas, noutros, o homem viaja e mantém contato com a amiga:
- Bom dia e gracias, amiga, estou em México City, depois de um mês na New York, bela mas apavorada com a crise, Z., fevereiro, 2009."

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Suas orelhas ainda queimam ( conto publicado no livro Contra-ataque do amor)


Suas orelhas ainda queimam



Maria Aparecida Torneros

Um dia, ela pensou que, na velhice, iria descansar de tanta luta. Tinha tido, durante toda a vida, muita lida, com a dureza do dia a dia, os serviços de casa, a cozinha, as crianças crescendo, o marido reclamativo, a louça se acumulando na pia. Bem, por que lembrar disso agora, passados tantos anos? Tudo tinha ficado para trás. Os filhos já são quase avós agora, com sua prole em torno dos 20 anos, menos o temporão, o Tavinho, seu netinho mais encantador. Como ela poderia imaginar que veria seus próprios netos na mocidade, tentando entender seus comportamentos incrivelmente estranhos para os conceitos de vida que ela aprendera a valorizar? Ela tenta se adaptar aos novos tempos e procura não ser uma avó desagradável, com incompreensões. Clarinha, por exemplo, sua netinha de 15, está infestada de peircings. Pelas orelhas, nariz, língua, umbigo, e , só Deus sabe, onde mais. O Bruno, um rapaz de aparência forte e dentes lindos, enfeitou-se com tatuagem no braço, como aqueles antigos marinheiros, e sapecou uma robusta serpente de língua comprida pronta para o bote. Mas, a doce Luana, essa sim, lembra as meninas do passado, tem olhos tranqüilos e gestos calmos. Toca piano, é plácida, romântica e só tem 12 anos. Talvez mude, e disso ela tem medo. Como proteger a frágil menina do mundo agressivo que tem pela frente? Hoje, morando sozinha, ela, com seus 70, se acha vigorosa ainda. Tem fôlego para ouvir os filhos, tantas queixas e lamúrias. São os telefonemas noturnos, quando eles se lamentam e ela ouve, consola, tenta fazê-los sorrir um pouco. Dá força e convida sempre, filhos e netos para comerem seu bolo de chocolate. Não há tristeza deles que ela não cure com a sua especialidade coberta de calda. Seu maior prazer é ver quando eles vão se acalmando, enquanto saboreiam a gulodice saciando de doçura seus corações inquietos. Também, nas manhãs de sol, ela caminha para desenferrujar as juntas e aproveita o tempo para rezar por filhos e netos. Ora com freqüência e com saudades, pela alma do marido "reclamão". Se ainda o tivesse por perto, teria, pelo menos, um ombro amigo, na calada da noite, para recostar, quando as orelhas estivessem quentes. Um dia, ela tinha sonhado com isso, reuniria toda a família em torno de um grande bolo de chocolate para o seu "bota-fora". Era chegada a hora da viagem dos seus sonhos: ia à Grécia, depois de economizar a vida inteira. Finalmente esse dia chegou. Luzia está bonita, produzida, os cabelos alinhados em coque, o terninho bem cortado a transforma em senhora elegante. Prepara-se para a tal viagem. O bolo foi providenciado pelo telefone. Permitiu-se encomendar a goluseima e dispensar-se do forno desta vez. Os preparativos foram tantos, os filhos e netos se sucederam na fila das encomendas, das recomendações, dos pedidos. Ela iria de táxi, combinou com todos que não queria ninguém no aeroporto. Seu grito de liberdade. Uma mulher vivida e sozinha que parte para a viagem sonhada. Muitos beijos, abraços, promessas de telefonemas, Luzia seca as lágrimas e parte. Horas mais tarde, a bordo do avião, com a cabeça recostada, tentando acomodar-se à nova realidade, suas orelhas ainda queimam. Tavinho, o neto caçula, não pediu nada, nem um brinquedinho, mas encostou sua boquinha melada de menino de três anos bem no ouvido direito da avó e disse assim, em tom pedinte e choroso: - Vó, o bolo de chocolate que você me deu agora tá muito ruim Tudo bem ,eu entendo, você tava com pressa de viajar, não é? Volta logo dessa tal de "Gréchia" e aprende de novo a fazer aquele bolo que eu adoro!

sábado, 21 de agosto de 2010

Overmundo

Olá, Aparecida Torneros,



Sua colaboração "Lançamento do livro "contra-ataque do amor"" acaba de ser publicada no Overmundo. Ela agora está  disponível no link:

http://www.overmundo.com.br/agenda/lancamento-do-livro-contra-ataque-do-amor


Abraços e até a próxima!
Overmundo

Edith Piaf - L'Hymne a l'Amour

A Visita de Piaf ( conto publicado no livro "Contra-ataque do amor")


A Visita de Piaf

Um céu nublado inundou a cidade de Paris, naquela primavera fria, de 1950.

Marie nem podia crer que era ela mesma, a própria Piaf, a famosa compositora e intérprete, que estava na sua frente, tão frágil como um pequeno pardal. E seus olhinhos brilhavam refletindo os sentimentos de uma mulher apaixonada e atormentada.

Piaf chegou devagar, na sombra de um sorriso, trouxe para a mulher que a recebeu na porta da loja de conveniência, o tom da sua melancolia, a cor pálida da sua incompreendida vida, seus anseios de amor e a pressa de chegar a um lugar que desconhecia. Parecia sem rumo a pequenina cantora. Disfarçada com óculos escuros, e imenso sobretudo, tinha os cabelos envoltos num lenço de seda em matizes de branco e negro. Figura lendária, Marie logo percebeu estar diante de uma deusa da paixão e legítima representante da perplexidade da vida.

Falaram-se monossilabicamente. Piaf buscava cigarros e uma garrafa de bebida quente. Estava sozinha, sem rodeios, sem maquiagem, saltara de um táxi. Eram quase dez horas da noite, Marie preparava-se para cerrar o lugar, depois de um longo e cansativo dia.

Olhou com certa reserva aquela criatura que parecia menor ainda, muito mais frágil do que se podia pensar, além de trazer as mãos tão finas com dedos longos, unhas crescidas e tratadas, Piaf lhe oferecia um semblante com ares de pedinte de companhia.

Marie convidou-a a sentar e as duas puseram-se com os olhos cruzados, ao redor de uma pequena mesa, enquanto eram providenciadas duas taças, um cinzeiro, como se fosse um ritual. A artista acendeu um cigarro, olhou a jovem com atenção, recebeu de volta uma mirada indagadora, porém doce.

As palavras custaram a sair de suas bocas. Havia, por outro lado, um sentido de estranheza, de parte a parte. Quem seria aquela moça aparentemente mansa, trabalhadora de uma lojinha, que se dispunha a ficar só , até aquelas horas, em rua semi deserta, à espera de um último freguês?

Nos pensamentos confusos de Marie, como podia aparecer naquela loja tão inexpressiva, uma cantora de fama internacional, assim solitária e tão carente que era posível ler nos seus gestos a insegurança dos aflitos e a inteligência indecifrável dos grandes gênios.

- Só preciso de umas tragadas e de uns dois copos. Depois me vou e não a incomodo mais. Você deve ter uma família esperando, em um lar tipicamente francês, não é?

- Não é, ( Marie prontamente respondeu), moro sozinha, vim do interior, tenho 29 anos, não tenho um amor, conheço todas as suas canções, e hoje, talvez seja o momento mais importante da minha vida.

Piaf sorriu então um sorriso aberto. Tinha encontrado a pessoa certa na hora certa e o lugar lhe pareceu perfeito. Precisava registrar aquele instante. Sua vida era uma sucessão de emoções, altos e baixos, buscas e perdas.

Perderia por certo o contato com Marie , qual era mesmo seu nome? perguntou...
Mas, como suas lembranças eram muito fortes, desde a infância passada no prostíbulo, Piaf se habituara a ler os rostos das mulheres mal amadas e sonhadoras, e a traduzir em canções seus intensos , nostálgicos e dissimulados afazeres.

Logo, ao deixar para trás a loja, ia mesmo recordar Marie, símbolicamente, levaria dentro de si, o arremedo de aconchego que a jovem lhe oferecera, talvez pudesse guardar mais, para compor alguma canção de amor, algum dia, em homenagem à vendedora humilde e amiga. Piaf não conseguiu pagar a conta. Marie impediu-a, sentiu-se à vontade para presentear a artista com a bebida e os cigarros, sabia que esta lhe dera mais, em contrapartida, lhe ofertara o prazer de receber aquela incrível e inesperada visita.

Acompanhou a cantora até a calçada para chamarem um táxi. Quando Piaf entrou no carro, Marie abaixou-se , pegou suas mãos, beijou em reverência, agradeceu sua arte, sentiu que lágrimas fizeram brilhar os olhos da divina compositora.

Aí, num ato reflexo, Piaf, acariciou a cabeça da jovem, e falou baixinho: - Hoje, estou voltando à França e recomeçando tudo. Faz um ano perdi o grande amor da minha vida, num acidente de avião, e como você, Marie, serei sempre só, mas, nós, as mulheres sozinhas, sabemos que tudo não passa de uma perspectiva... no fundo, estamos mais acompanhadas do que nunca, pelas nossas lembranças e por um infinito desejo de viver. 

E pediu ao motorista que desse partida. Se foi, Marie manteve-se como estátua por minutos vendo o carro sumir na noite, ouvindo a voz de Piaf confessando-se solitária, sentindo ainda sua mão amiga afagando seus cabelos e sobretudo, descobrindo, definitivamente, que teria a companhia da estrela, junto de si, por toda a vida.

Em 1955, anos depois, Piaf apareceu triunfante, num show magnífico no L'Olympia de Paris.  No final do espetáculo, recebeu uma embalagem com um presente no camarim, só foi abrir bem tarde, já em casa, depois da noite maravilhosa da sua volta ao sucesso. Na caixa, havia uma carteira de cigarros, uma garrafa de conhaque e um bilhete, "Para que jamais se sinta só, nas noites em que volta à França. Com a minha companhia, Marie."

    Maria Aparecida Torneros

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Gigliola Cinquetti - Anema e Core

Ecos da Galícia, as cartas do meu bisavô Antonio...


Chegamos à Galícia, eu, minhas amigas Regina e Rosária, e sua filha Tatiana. Do Rio de Janeiro, descemos em Madri e logo pegamos a conexão de um vôo que durou menos de uma hora para Vigo. Ali, na cidade portuária, nos encantamos com sua organização, boa comida, gente educada e a carga histórica muito forte que paira nos seus ares. Zazá também ia em busca da ancestralidade, assim como eu. No segundo dia, logo, conseguimos visitar Orense e Verin ( lugares dos nossos pais, avós e bisavós), onde resgatamos um pouco da própria história de descendentes de imigrantes galegos, os mesmos que vieram fazer as Américas, tão bem descritos num livro memorável da escritora brasileira Nélida Piñon, República dos Sonhos.


Por alguns dias na Galícia, nós quatro nos identificamos com sua gente e seus costumes, adoramos ir a Santiago de Compostela, passar por Pontevedra, ouvir suas histórias, conviver com gente como o Ramon, por exemplo, galego típico, que nos atendeu com seus serviços de motorista e que se tornou grande amigo.


A escultura dos cavalos alados, no centro de Vigo, não me sai da lembrança, é como um símbolo do quanto um povo pode cavalgar, voar e navegar adelante, conquistando espaços nesse mundo de Deus.


Em 2008, depois de lançar meu livro onde narro parte da história da minha avó e do meu tio-avô , fui a Nova York, onde encontrei Jeanne Marie, neta do Tio Obidio. Somos netas de dois irmãos imigrantes, ela vive nos Estados Unidos, nasceu lá, é cidadã americana integrada ao seu país, com marido e filhos. Eu vivo aqui, sou cidadã brasileira inserida na cultura da minha terra, tenho um filho.


No dia em que nos encontramos, ela completava 44 anos, levou a família e passeamos juntos pelo Central Park, nos divertimos, fomos almoçar, trocamos presentes, sorrisos, abraços, nosso sangue se identificava. Nossos bisavós espanhóis, pais de Carmen e Obidio, ficaram na Galícia e nunca mais viram os filhos e sequer tiveram chance de conhecer seus netos, nove, ao todo, e muito menos souberam da existência dos bisnetos. Somos muitos, espalhados pelo Brasil e pela América.


Antonio e Manuela ficaram sozinhos, no pequeno lugarejo, Rasela, onde fui, finalmente, em maio de 2009. Senti-me representante de todos os que estão por aí espalhados, os que nem sabem sobre suas vidas, como eu pude saber. Para embarcar, levei comigo um maço de cartas envelhecidas, amareladas e desbotadas, escritas a pena, pelo meu bisavô Antonio, todas endereçadas a Carmen, a filha que viveu no Brasil. As cartas datam de 1910 até 1935, são dezenas, e em todas, o amor é citado como o grande elo que uniu este homem aos seus descendentes. Também, cada escrito seu terminava com as saudações que ele transmitia enviadas pela esposa, a Manuela, que morreu num convento, isso eu soube, ao visitar o lugar, através de um senhor velhinho que os conheceu, sr. José Freiria.


Resolvi entrar no pequeno cemitério do lugar, não encontrei uma campa com seus nomes, mas rezei ali, em sua homenagem. Agradeci o quanto de amor à vida, eles legaram para nós todos, e nos fizeram ser o que somos hoje, pessoas que reproduzem sua luta, estejamos em Nova York ou no Rio de Janeiro.


Em determinado instante, não me contive, e na pequena capela do cemitério vazio, puxei os cordões da campana, toquei os sinos, minhas amigas ficaram apreensivas pois num lugar tão ermo, o som poderia assustar os moradores. O que ocorreu foi, na verdade, uma saudação aos meus ancestrais, que ficou gravada nos meus ouvidos, reverberando, festejando, nosso reencontro. Pude proclamar os ecos de uma descendente de Antonio e Manuela que voltou, pisou na terra que os acolheu e onde viveram, eu me senti assim, resgatando o amor deles pelas sementes que espalharam no mundo.

Saí daquele lugar com a alma apaziguada. Parecia que cumprira um papel a mim destinado. Saudei os cânticos da minha meninice, aqueles que a abuela Carmen cantava, oriundos da sua terra, passei no Jusgado, pedi a cópia da certidão de nascimento dela, que já me chegou, via correio.


Nos meus ouvidos, ainda soam os ecos dos sons galegos. Vou dar entrada no pedido de cidadania espanhola, em homenagem a eles, Antonio, Manuela, Obidio e Carmen, criaturas de bem, semeadores de amor, por quem dobram os sinos da capelinha em Rasela, e de cujas almas soam os ecos de Galícia que agora me emocionam e me impulsionam a seguir em frente.
                        (este artigo está  publicado no livro "Contra-ataque do amor")

Sangre Española Manolo Tena Tradução

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Cida Torneros: memórias de meninas do Rio ( no site Bahia em pauta e reproduzida no livro Contra-ataque do amor)

Cida Torneros: memórias de meninas do Rio


COISAS DE MENINAS REBELDES


O pequeno disco de vinil, compacto simples, era como o chamavam, rodava manso sobre a vitrolinha portátil num quarto de meninas, em Copacabana, devia ser 1969 ou 70, e a música melodiosa e triste era sussurrada pelas vozes de três jovenzinhas rebeldes, eu e minhas duas primas. A música que nos embalou, variava de gosto e estilo, mas nas horas de desilusão, minha prima Regina, que faleceu há pouco tempo, aos 53 anos, sapecava a voz do Antonio Marcos, cantando “eu hoje estou tão triste, eu precisava tanto conversar com Deus”.


Tínhamos entre 17 ou 19 anos, nos vestíamos para sair na noite, escondidas, é claro, esperando que meus padrinhos, pais delas, pegassem no sono. Queríamos ir a alguma “boite”, com vestidos de mini saia, sapatos salto agulha, bem perto, na Fernando Mendes,onde, nos deslumbrávamos como os artistas que iam dar canja, e nossa bebida de praxe era mesmo a cuba libre. O que queríamos mesmo era aprender a amar.


Tínhamos a meninice brejeira, a pele bronzeada pela frequencia habitual às areias de Copa, o encantamento pela novidade, a sensação da transgressão, e, ao mesmo tempo, o medo de alguma aventura mais arrojada, nada fazíamos a não ser trocar beijinhos com namoradinhos tão jovens quanto nós, e corríamos pra casa, onde entrávamos, com os sapatos na mão, rezando para que a Lady,cadelinha de estimação não desse nem um latido, denunciando nossa chegada no apê, onde ainda viraríamos o resto da madrugada, fofocando sobre pequenos delitos, ou fumando um cigarrinho comum, cujo cheiro íamos disfarçar com perfume em spray.


O disco ia chegando ao final, a tecnologia era mesmo manual, e uma das tres esticava o dedinho para que a agulha voltasse ao princípio da música, e lá íamos nós, envolvidas pelo questionamento sobre a tristeza que começávamos a descobrir ser tão comum nos amores desfeitos pela traição, quando pegávamos as mentiras mal contadas dos tais namoradinhos aprendizes de conviver as emoções da ternura e do prazer. Havia também o fato de que muitas vezes nos entusiasmávos por homens que não nos davam bola por acharem que éramos bobinhas demais e não tínhamos a malicia necessária para um “verdadeiro affair”.


A canção do jovem autor, entre muitas outras, era sucesso, e, ao mesmo tempo, era um libelo inocente para o futuro que teríamos que enfrentar. Ele mesmo, que foi prisioneiro do alcoolismo e morreu em consequencia disso, nos transmitiu, além do talento, uma amargura suficiente para que nos identificássemos com uma das mais cruéis rotinas dos relacionamentos, seus finais dolorosos, as decepções amorosas, os finais onde um dos parceiros teria mesmo que chorar. Então, nos diálogos das três, quantas ocasiões não nos perguntamos: Então o amor era isso? Traiçoes, desilusões e sofrimentos?


Acho que foi nessa época que aprendemos também a saber chorar pelos amores perdidos, pelos amores sonhados, pelos amores mal sucedidos, sem entretanto termos desistido de voltar a buscar qualque tipo de amor, pelo resto de nossas vidas.


Já se passaram quase 40 anos, e hoje, ao ouvir a tal interpretação do saudoso cantor, me vi, exatamente como aquela menina-moça ( como éramos chamadas), sentindo um frio na alma, um aperto no peito, a saudade da esperança daqueles dias de juventude, o cansaço de tantas tentativas de encontrar amor sincero, e aí, desabei num pranto sofrido, doído, inteiramente descontrolado, resgatando um momento que dentro de mim, se repete, como um presságio.


A vida rolou, e ainda rola, Regina deixou filhos adultos e sua irmã Lena hoje é viúva com filhos e netos, ainda trabalha e gosta de dançar. Pouco nos vemos, mas quando nos encontramos, é possivel relembrar as artimanhas quase infantis que ousamos viver, como por exemplo, fugir num fusca de algum amigo para tomar sol na Barra, que era um deserto e o fim do mundo, mas nos dava a dimensão de que esse mesmo mundo cresceria mais. Ainda iríamos ultrapassar fronteiras maiores e nos aventurarmos em caronas de avião indo buscar o amor em lugares e países distantes. Talvez o amor seja mesmo essa coisa impossível, na concepção da tal felicidade fantasiosa, e nem adianta fugirmos para praias desertas ou cidades apinhadas, porque onde houver um coração humano sedento de paixão, sempre haverá a possibilidade de amar alguém que nunca soube o que é o amor, como revela a letra da tal musiquinha.


Vou esticar o dedinho e desta vez, já não existe mais o vinilzinho pequeno, nem gira melancolicamente na noite da minha saudade, mas posso teclar no yutube, ouvir muitas vezes a voz dos meus 18 anos, e, aos 60, ainda vou chorar mais um pouquinho por que o tempo não apagou minha tristeza diante de amores desfeitos, de amores que não me deram diploma, por ser ainda uma aluna que não aprendeu direito como amar e ser aprovada com a medalha da felicidade.

TOCANDO EM FRENTE!

Elvis, I love You!! Forever!! Only the Love is real!!!

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Convite para o lançamento na Bienal de São Paulo

Contra-ataque do amor ( conto de Maria Aparecida Torneros )

O conto que dá título ao livro:

Contra-ataque do amor ( conto de Maria Aparecida Torneros-2002)

Ela pressentiu seu bote. Animal arisco, cada homem pode dispor de um átimo de segundo para atacar sua presa. Mary encolheu-se na cadeira, certa de que seu sangue corria mais rapidamente. Sentiu o coração aos pulos, o peito arfante, os olhos atentos, o pulso acelerado, começou a suar em lugar de tremer. Devia imaginar o quanto seria instintivo reagir ao seu toque, ao mesmo toque guardado na memória, por infindáveis décadas. Sua reação foi, por muitas edições, comentário dos jornais.


O filme de guerra danou a passar, repetindo enredo decorado. Mortes, bombas, explosões, fôlego e sofrimento misturados. O instinto da sobrevivência se contrapondo ao cansaço. Era muito penoso lutar contra tantas forças detentoras de armas tão potentes.


Tiros nos corações. Sim, isso era o resumo dos embates que os amantes, como guerreiros, teimavam em disparar. Também, era flagrante observar como eles fugiam da condição de alvos certeiros.


Mentiam, ela própria, já fizera isso demasiadamente. Dizer “eu te amo” era muito simples. Fazer promessas sem assinar documento. Mary aprendeu a desviar-se do envolvimento emocional mais profundo. Superficial, fútil, enganadora, amante de ocasião, namoradeira, volúvel, ia acumulando adjetivos para seu comportamento libertino, solto, livre para sentir e para agir. Sem compromissos, ela vivera tecendo uma teia de amizades leves, não se comprometendo com doações sentimentais mais fortes.


Já não se via como aquela mulher bonita que o encantara há tanto tempo atrás. Mesmo assim, trazia, disso tinha certeza, o mesmo calor capaz de confundi-lo ainda uma vez entre o sentimento e o desejo, entre o amor e a fuga. Um dia, pensou consigo, o esqueceria para sempre. Contudo, enquanto esse dia não chegasse, teria que conviver com a guerra interna de não conseguir amar de novo homem algum.


Cena adiada por inúmeras vezes, ele chegaria naquele restaurante como quem vem da guerra, depois de enfrentar uma vida inteira de guerras . Ela devia parecer serena, doce, paciente e amiga. E o brindaria com o mais doce dos sorrisos de perdão. Mas e a guerra? E as bombas? Não seria mais lógico virar-lhe a cara, nem sequer cumprimentá-lo? Por que, depois de tudo, aceitara encontrar-se para esse despretencioso almoço?


Pediu bebida forte. Tentou controlar os ânimos e justificou-se.


- Depois desse passo de hoje, livro-me de vez dessa história de amor tão mal resolvida. Vou me despedir e virar a página. Amenidades. Conversaremos sobre amenidades. E nos despediremos para sempre.


- Sussurrando um novelesco folhetim pessoal, a madura Mary não desgrudava os olhos da porta principal. Sentia cada vez mais forte a presença dele. Que sintonia era aquela, que a fazia , depois de tantos anos, embrulhar o estômago imaginando como poderia manter a compostura ao olhar os olhos dele novamente?


Queria mesmo proteger-se da feitiçaria que representava sua fala. Quando ele abrisse a boca, derramando sons com voz de xilocaína, anestesiante, ela precisaria controlar-se e, já que não podia perder a guerra, ignorando, solenemente, o potencial do bombardeio.


Defender-se do ataque. Isso estava decidido. Viera ali, naquele encontro marcado, para defender-se. Não estava suficientemente forte para o contra-ataque. Lúcida, ia somente responder, com educado comportamento, uma série de questões que tinham ficado pendentes. Não se permitiria descer aos degraus das cobranças ou das mágoas.


Queria por um ponto final na sensação humilhante de ter sido abandonada por ele, no auge da paixão, quando ela pensou que morreria sem ter seu afeto. Quando, não fosse o atendimento psiquiátrico a que recorreu , na época, teria enlouquecido. Mas, agora, ela se sentia segura. Refizera sua vida pessoal. Partira para novas atividades profissionais. Dedicara-se a causas sociais. Publicara seus livros de poesia. Viajava pelo mundo divulgando sua arte.


De repente, quando ele entrou, cambaleante, sem trazer nos olhos o brilho da paixão – assassinada há muito tempo - foi aí que ela descobriu que sua alma, emocionada, se enchia de um arsenal de compaixão, circundada por um medo absurdo.


Ele a olhou, pronunciou “Mary”, com voz embargada. Ela foi firme. Sorriu docemente. Estendeu a mão direita. Deixou que ele a tocasse e suas mãos se apertaram trocando intensa energia. Seus olhos falaram a linguagem da guerra. Saíram deles labaredas de fogos de artifício, explodiram bombas em seus corações.


Quando percebeu o gesto dele em tentar atacá-la, ela nem soube explicar como reagiu tão rapidamente como um raio. O cheiro da pólvora inundou o ambiente, além dos gritos, dos respingos de sangue e do pavor. Ela sequer olhou para ver seu inimigo cair depois do ataque.


Era humanamente impossível rememorar os detalhes do contra-ataque. - “Acho que o desarmei para salvar minha vida”, conseguiu contar para os policiais, quando foi depor. Sua destreza e sangue-frio foram comentados por testemunhas.


Soube, algumas horas mais tarde, que ele morrera instantaneamente. Teve pena de si, dele e de todos os que lutam em vão nas guerras. Mais bombas explodiram dentro dela. Por que será que ele veio ao encontro disposto a matá-la? Todavia, ela que queria tanto despedir-se em paz, foi obrigada a reagir, para preservar sua integridade física.


Mary prometeu aos seus leitores escrever sobre essa história. E o fez, no ano seguinte quando foi absolvida, pelo tribunal do júri, por unanimidade.


                              Cida  Torneros