O conto que dá  título ao livro:
Contra-ataque do  amor ( conto de Maria Aparecida Torneros-2002)
Ela pressentiu seu  bote. Animal arisco, cada homem pode dispor de um átimo de segundo para  atacar sua presa. Mary encolheu-se na cadeira, certa de que seu sangue  corria mais rapidamente. Sentiu o coração aos pulos, o peito arfante, os  olhos atentos, o pulso acelerado, começou a suar em lugar de tremer.  Devia imaginar o quanto seria instintivo reagir ao seu toque, ao mesmo  toque guardado na memória, por infindáveis décadas. Sua reação foi, por  muitas edições, comentário dos jornais. 
O filme de guerra  danou a passar, repetindo enredo decorado. Mortes, bombas, explosões,  fôlego e sofrimento misturados. O instinto da sobrevivência se  contrapondo ao cansaço. Era muito penoso lutar contra tantas forças  detentoras de armas tão potentes. 
Tiros nos corações.  Sim, isso era o resumo dos embates que os amantes, como guerreiros,  teimavam em disparar. Também, era flagrante observar como eles fugiam da  condição de alvos certeiros. 
Mentiam, ela  própria, já fizera isso demasiadamente. Dizer “eu te amo” era muito  simples. Fazer promessas sem assinar documento. Mary aprendeu a  desviar-se do envolvimento emocional mais profundo. Superficial, fútil,  enganadora, amante de ocasião, namoradeira, volúvel, ia acumulando  adjetivos para seu comportamento libertino, solto, livre para sentir e  para agir. Sem compromissos, ela vivera tecendo uma teia de amizades  leves, não se comprometendo com doações sentimentais mais fortes. 
Já não se via como  aquela mulher bonita que o encantara há tanto tempo atrás. Mesmo assim,  trazia, disso tinha certeza, o mesmo calor capaz de confundi-lo ainda  uma vez entre o sentimento e o desejo, entre o amor e a fuga. Um dia,  pensou consigo, o esqueceria para sempre. Contudo, enquanto esse dia não  chegasse, teria que conviver com a guerra interna de não conseguir amar  de novo homem algum. 
Cena adiada por  inúmeras vezes, ele chegaria naquele restaurante como quem vem da  guerra, depois de enfrentar uma vida inteira de guerras . Ela devia  parecer serena, doce, paciente e amiga. E o brindaria com o mais doce  dos sorrisos de perdão. Mas e a guerra? E as bombas? Não seria mais  lógico virar-lhe a cara, nem sequer cumprimentá-lo? Por que, depois de  tudo, aceitara encontrar-se para esse despretencioso almoço? 
Pediu bebida forte.  Tentou controlar os ânimos e justificou-se. 
- Depois desse  passo de hoje, livro-me de vez dessa história de amor tão mal resolvida.  Vou me despedir e virar a página. Amenidades. Conversaremos sobre  amenidades. E nos despediremos para sempre. 
- Sussurrando um  novelesco folhetim pessoal, a madura Mary não desgrudava os olhos da  porta principal. Sentia cada vez mais forte a presença dele. Que  sintonia era aquela, que a fazia , depois de tantos anos, embrulhar o  estômago imaginando como poderia manter a compostura ao olhar os olhos  dele novamente? 
Queria mesmo  proteger-se da feitiçaria que representava sua fala. Quando ele abrisse a  boca, derramando sons com voz de xilocaína, anestesiante, ela  precisaria controlar-se e, já que não podia perder a guerra, ignorando,  solenemente, o potencial do bombardeio. 
Defender-se do  ataque. Isso estava decidido. Viera ali, naquele encontro marcado, para  defender-se. Não estava suficientemente forte para o contra-ataque.  Lúcida, ia somente responder, com educado comportamento, uma série de  questões que tinham ficado pendentes. Não se permitiria descer aos  degraus das cobranças ou das mágoas. 
Queria por um ponto  final na sensação humilhante de ter sido abandonada por ele, no auge da  paixão, quando ela pensou que morreria sem ter seu afeto. Quando, não  fosse o atendimento psiquiátrico a que recorreu , na época, teria  enlouquecido. Mas, agora, ela se sentia segura. Refizera sua vida  pessoal. Partira para novas atividades profissionais. Dedicara-se a  causas sociais. Publicara seus livros de poesia. Viajava pelo mundo  divulgando sua arte. 
De repente, quando  ele entrou, cambaleante, sem trazer nos olhos o brilho da paixão –  assassinada há muito tempo - foi aí que ela descobriu que sua alma,  emocionada, se enchia de um arsenal de compaixão, circundada por um medo  absurdo. 
Ele a olhou,  pronunciou “Mary”, com voz embargada. Ela foi firme. Sorriu docemente.  Estendeu a mão direita. Deixou que ele a tocasse e suas mãos se  apertaram trocando intensa energia. Seus olhos falaram a linguagem da  guerra. Saíram deles labaredas de fogos de artifício, explodiram bombas  em seus corações. 
Quando percebeu o  gesto dele em tentar atacá-la, ela nem soube explicar como reagiu tão  rapidamente como um raio. O cheiro da pólvora inundou o ambiente, além  dos gritos, dos respingos de sangue e do pavor. Ela sequer olhou para  ver seu inimigo cair depois do ataque. 
Era humanamente  impossível rememorar os detalhes do contra-ataque. - “Acho que o  desarmei para salvar minha vida”, conseguiu contar para os policiais,  quando foi depor. Sua destreza e sangue-frio foram comentados por  testemunhas. 
Soube, algumas  horas mais tarde, que ele morrera instantaneamente. Teve pena de si,  dele e de todos os que lutam em vão nas guerras. Mais bombas explodiram  dentro dela. Por que será que ele veio ao encontro disposto a matá-la?  Todavia, ela que queria tanto despedir-se em paz, foi obrigada a reagir,  para preservar sua integridade física. 
Mary prometeu aos  seus leitores escrever sobre essa história. E o fez, no ano seguinte  quando foi absolvida, pelo tribunal do júri, por unanimidade. 
                               Cida  Torneros

 
 
Ola seja bem vinda ao Ecos, espero que goste do que vai ver por la.. grande abraço querida..
ResponderExcluirMinha querida amiga
ResponderExcluirUm grande beijo e toda a felicidade para o lançamento do teu novo livro.
João Videira Santos
Amigos, obrigada pelo carinho!!
ResponderExcluirbeijo
Cida Torneros